CURIOSIDADES
DA JUSTIÇA
Violinos X Cassetetes
Em setembro de 1889, pouco antes da Proclamação da República, o 26º batalhão de infantaria de Maceió vivia tensões políticas entre o capitão Napoleão Virgínio Ramos e o major Joaquim Ferreira de Andrade e Silva, que tinha alferes Bellarmino Augusto de Athayde como seu aliado. O capitão Virgínio, músico da Orquestra Filarmônica de Alagoas, enfrentava perseguições do major, o que levou a Filarmônica a organizar, na Praça Tavares Bastos (praça do antigo Mercado Público de Maceió), uma manifestação pública de apoio ao capitão, com apresentações artísticas, inclusive teatrais, onde se faziam críticas de cunho político aos desafetos do capitão.
Em resposta, o presidente da Província, Dr. Manuel Victor Fernandes Barros, ordenou que as manifestações fossem reprimidas, temendo desordem. Todavia, às 18 horas do mesmo dia, ao ouvir barulho de foguetes e de músicas, vindos dos lados da Praça Tavares Bastos, o presidente da Província ficou contrariado, requisitando que se impedisse tal manifestação, com uma guarnição de 55 praças à disposição da chefia de polícia, com fim intimidatório, caso necessitasse.
Coronel Félix Bandeira estava na chefia da Delegacia de Polícia e tinha designado o sub-delegado, capitão Tiririca, para que este fosse à sede da Sociedade, onde funcionava a Orquestra Filarmônica, a fim de desestimular a manifestação. Mas a Orquestra Filarmônica resolveu percorrer as ruas do comércio, transitando pela Rua 1º de Março, passando pela Esquina do Rocambole, já desembocando na Praça Tavares Bastos, onde o capitão Virgínio residia, sendo este o local do sarau.
Entre 20:00 e 21:00 horas, a Praça Tavares Bastos, repleta de pessoas, presenciou um verdadeiro massacre, encampado pelo alferes Bellarmino Athayde, aliado do major Joaquim Ferreira de Andrade e Silva. Este mandou que as tropas acelerassem a marcha e metessem os cassetetes em todos, inclusive no povo.
O jornal A Federação, órgão do Partido Republicano do Rio Grande do Sul, em 22 de outubro de 1889, reproduz o que foi publicado em “O Gutenberg” sobre o ocorrido:
“Às 8 ½ horas da noite a música dos artistas e as pessoas que a acompanhavam a uma manifestação do capitão Virgínio Ramos, em casa de sua residência, foram agredidas na praça do Mercado [hoje prédio da Secretaria de Educação] por cerca de 60 praças de linha. Os soldados receberam ordens do coronel Felix Bandeira, delegado de Polícia, para praticarem o atentado.
Esse delegado, que se escondera no edifício do Mercado, apareceu depois do conflito dizendo que não tinha dado ordem para tal.
Foram espaldeirados os músicos e o povo, ficando mais de 5 pessoas feridas por golpes de sabre, algumas gravemente.
O povo, sem armas, não pôde reagir. Por três vezes foi dispersado pelos soldados, e também por três vezes conseguiu reunir-se realizando, afinal, sua manifestação de apreço.
Maior seria a desgraça a lamentar se não se apresentassem para conter a fúria das praças diversos oficiais de linha.
Chegando em socorro do povo, os oficiais de linha que estavam em casa do capitão Virginio, intimaram os soldados mandando-os formar, o que eles, afinal, obedeceram, dando tréguas àquele selvagem ataque à mão armada.
Os manifestantes reuniram-se, deram vivas ao capitão Virginio e à oficialidade do 26º e seguiram o caminho da casa do capitão Virginio.
A poucos passos do teatro daquela cena, foram de novo agredidos pelas praças, que obedeceram à voz de avançar, do delegado Félix Bandeira.
Nessa luta, como na primeira, grande número de pessoas foram espaldeiradas e feridas”.
Foram instrumentos quebrados, pessoas espancadas e feridas, mas os músicos se negavam naquele cenário, a pararem de tocar, e assim continuaram; a Orquestra não se intimidou, intensificando a música em meio à pancadaria generalizada na Praça, e adentraram com tudo, invadindo com os instrumentos e a música, a casa do homenageado, o Capitão Virgínio Ramos. Os soldados usavam, além dos cassetetes, também os rifles, agredindo violentamente a Filarmônica e a população. Foi um episódio lamentável e que ficou marcado como um confronto brutal entre militares e civis, com consequências graves para todos os envolvidos.
Centro de Cultura e Memória do Poder Judiciário - CCM
Relato por Hilda Maria Couto Monte - Historiadora do CCM-AL, Mestra em Direito, Professora Universitária de Direito e Escritora.
Referência: ARQUIVO DO PODER JUDICIÁRIO DE ALAGOAS. Processos Históricos Notáveis. Caixa 03, doc. 55, Recurso Crime do juízo de Direito de Maceió - Província das Alagoas ao Tribunal da Relação do Recife- 1889.