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Lampião, o réu

14 de agosto de 1922

O dia 14 de agosto de 1922 marca um dos primeiros casos em que Virgulino Ferreira da Silva, conhecido como Lampião, figura como réu em uma ação judicial. Lampião, juntamente com seus dois irmãos, foi denunciado pelo assassinato de Manoel Cipriano de Souza, ocorrido em Água Branca, no sertão alagoano. O famoso rei do cangaço teria cometido o crime como forma de vingança pela morte de seu pai, José Ferreira dos Santos.

Manoel Cipriano de Souza foi assassinado com três tiros, disparados por cada um dos irmãos Ferreira. Para Lampião, Cipriano havia delatado o local onde seu pai se encontrava no dia 18 de maio de 1921. Nesta data, José Ferreira foi morto pelo tenente José Lucena de Albuquerque Maranhão, em Mata Grande, no sertão de Alagoas.

Além de Lampião e seus dois irmãos, outros dois cangaceiros foram incluídos no processo, totalizando cinco denunciados: Virgulino Ferreira da Silva (Lampião), Livino Ferreira (irmão de Lampião), Antônio Ferreira, conhecido como Esperança (também irmão), e Antônio Rozendo, conhecido como Antônio Gelo ou Antônio Bagaço.

O promotor formalizou a denúncia contra Lampião em 9 de outubro de 1922. Cinco dias depois, o juiz da comarca de Água Branca aceitou o caso e mandou os réus a julgamento. Entretanto, eles nunca compareceram ao tribunal, estando sempre em fuga ou não sendo encontrados. Os acusados nunca foram julgados, e o caso foi arquivado em 1939, um ano após a morte de Lampião.

O processo inclui os depoimentos de algumas testemunhas, como Manoel Pedro de Alcântara, que relatou que ele e Manoel Cipriano estavam atravessando a cancela do Mané, vindo da feira de Água Branca, quando foram abordados por homens armados com rifles.

Lampião ordenou que descessem dos cavalos e questionou seus nomes. Cipriano foi o primeiro a responder e imediatamente recebeu a resposta do chefe: "É esse mesmo que estamos esperando." Ao reconhecer seu alvo, Lampião mandou a testemunha se afastar e não sair até que ele desse uma ordem expressa. Cipriano foi então arrastado para um local ao lado do cavalo e questionado sobre o dinheiro que carregava. Ele tinha apenas 10 mil réis, quantia considerada ínfima para a época.

Outra testemunha do crime, Silvino Antônio dos Santos, afirmou à polícia que Cipriano ainda perguntou a Lampião o que ele queria, oferecendo-se para dar o que quisesse em troca de sua vida. Lampião, então, "judiou" de Cipriano (sem que haja detalhes sobre como isso ocorreu) e o sentenciou em seguida. Lampião se afastou, disparando o primeiro tiro, seguido pelos dois irmãos, que efetuaram mais dois disparos contra a vítima.

A Morte de Lampião

Lampião foi morto em 28 de julho de 1938, na grota de Angicos, atualmente município de Poço Redondo, em Sergipe, durante um massacre perpetrado por uma força volante da polícia alagoana. Neste evento, sua companheira Maria Adelaide (Maria Bonita) e mais nove cangaceiros - Luiz Pedro, Enedina, Moeda, Alecrim, Colchete, Macela, Elétrico, Mergulhão e Quinta-feira - também foram executados.

Na madrugada da execução, a grota de Angicos, que serviu como último esconderijo de Lampião e seu grupo, foi cercada pela volante do tenente João Bezerra, composta por 49 policiais. A tropa, após atravessar o rio São Francisco em barcos, enfrentou a inóspita caatinga e cercou a grota, iniciando um intenso tiroteio contra o bando de cangaceiros, que contava com aproximadamente 40 a 50 homens e não teve a oportunidade de reagir adequadamente.

Todos os onze cangaceiros foram mortos e decapitados. As cabeças foram acondicionadas em latas vazias de querosene e exibidas publicamente como troféus nas cidades de Piranhas (AL), Maceió (AL) e Salvador (BA).

Versões

Mais de 85 anos após o episódio, versões contraditórias sobre os eventos ainda persistem. O debate entre pesquisadores do cangaço permanece acirrado e distante de um consenso sobre as circunstâncias que envolveram os últimos momentos de Lampião, inclusive alguns que duvidam de sua morte.

Uma das teorias sugere que Lampião e seu grupo foram envenenados antes do tiroteio e que a polícia disparou contra o grupo já morto. Outros defendem que o verdadeiro rei do cangaço não teria morrido em Angicos, mas que um “sósia” teria sido morto em seu lugar – o verdadeiro Lampião teria vivido até os 100 anos, em Minas Gerais.

Em 2019, uma perícia realizada nas roupas e objetos que pertenciam a Lampião no dia da emboscada revelou que ele foi atingido por três tiros. O primeiro disparo atingiu seu punhal, desviando-se para a região umbilical; o segundo passou através da cartucheira – que estava apoiada em seu ombro – e atingiu o coração; e o terceiro tiro acertou sua cabeça.

A perícia foi conduzida por Victor Portela, perito do Instituto de Criminalística de Alagoas. Para o especialista, é impossível determinar qual dos tiros – ou se a combinação deles – causou a morte de Lampião. Contudo, ele destaca que sua experiência aponta para um dado controverso nas teorias até então discutidas: os disparos no peito e na barriga não teriam efeito letal imediato. A perícia revelou ainda que os disparos foram efetuados de cima para baixo.

A Vingança de Corisco

Um dos principais aliados de Lampião, não menos famoso que o Rei do Cangaço, era Corisco, conhecido como o "Diabo Louro". Ele não estava presente em Angicos no dia da morte de seu líder. Corisco já havia formado um grupo independente, que atuava à parte de Virgulino Ferreira. A morte de Lampião foi interpretada como uma afronta pessoal por Corisco, que jurou uma terrível vingança: ele prometeu matar não apenas os delatores de Lampião, mas também os soldados, o tenente Bezerra e todos que encontrasse com esse sobrenome.

Corisco rapidamente começou a cumprir sua promessa. Em Piranhas, no sertão alagoano, invadiu a casa de um dos supostos delatores, assassinando-o, assim como sua esposa e três filhos. Degolou os mortos, colocou as cabeças em um saco e enviou-as ao prefeito da cidade, acompanhadas de um bilhete que aludia à decapitação de Lampião: "Se o negócio é de cabeças, vou mandar em quantidade".

No ano seguinte à morte de Lampião, as autoridades do Nordeste garantiram segurança a todos os cangaceiros que se entregassem à polícia. Muitos aceitaram a proposta, e alguns até se integraram às volantes que combatiam os cangaceiros remanescentes.

Essas vitórias impulsionaram as forças policiais, que intensificaram a perseguição aos remanescentes do cangaço. No entanto, Corisco continuou sua trajetória de violência até 5 de maio de 1940, quando foi morto em um tiroteio com uma força volante, em Brotas de Macaúbas, na Bahia.

A morte de Corisco coincide praticamente com o fim do cangaço. O desaparecimento de líderes como Lampião e Corisco, antes que outros estivessem prontos para assumir o comando, é um dos fatores que explicam o declínio desse tipo de banditismo.

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